E havia um pequeno garoto. Ele estava perdido na noite, sem saber aonde ir. Então começou a dirigir seu carro, rumo a uma festa estranha. Com gente esquisita. Eu não tô legal. Não agüento mais birita.
(Renato, o Russo)
Então ele chegou em um lugar escuro, úmido e muito apertado. Por motivos óbvios pensou que faria sexo. Mas ele mal sabia o que o aguardava.
Em um vai-e-vem frenético, incessante e até claustrofóbico, o pequeno garoto passou a pensar que já estava fazendo sexo. Voltou à realidade quando percebeu que estava apenas manobrando o seu carro em uma pequena vaga, no estacionamento à frente de um pequeno lago.
De prontidão, foi surpreendido por um flanelinha, que pediu gorjeta adiantada. Assustado, o pequeno garoto avisou previamente que não tinha dinheiro, e por isso sequer sabia se poderia entrar na festa estranha, com gente esquisita. Eu não tô legal, não agüento mais birita.
Então o pequeno garoto explorou o lugar escuro, úmido e muito apertado, que não estava relacionado com sexo. Estava em busca de pessoas conhecidas. Mais do que isso, estava em busca de questões que martelavam sua cabeça com força.
- Será que vale a pena entrar nesta festa estranha com gente esquisita? Será que eu não tô legal e não agüento mais birita? Será que o flanelinha filho da puta está arranhando o meu carro só porque eu não tenho dinheiro? Será que as várias conotações sexuais deste momento indicam que eu vou passar a ter azar no jogo?
Instantaneamente, ele respondeu à primeira pergunta: não. Não valia a pena entrar naquela festa estranha, com gente esquisita. Depois, respondeu a segunda questão: ele até estava legal, mas não agüentava mais birita.
E foi retornando ao carro que ele obteve a resposta para a terceira pergunta: o filho da puta do flanelinha não havia arranhado seu carro! Passou a achar aquilo estranho por demais.
Restava a quarta questão, que logo se dissipou da sua cabeça, pois o flanelinha não tardou a pedir dinheiro novamente. Por instantes a situação ficou normal. Mas isso não durou muito tempo: diante da incisiva negativa de dinheiro por parte do pequeno garoto, o flanelinha adotou um olhar muito sério. Se aproximou e, com muita firmeza, disse:
- Então faz o seguinte: pega este bilhete. - entregou um pequeno papel dobrado ao pequeno garoto e continuou - Abre só quando chegar em casa. TU VAI ENTENDER.
O bilhete diz que há um seqüestrador dentro do meu carro! O bilhete diz que o cabo do freio foi cortado! O bilhete diz os números da Mega-Sena que eu vou ganhar, mas vou ter que dar 90% do ganho para o flanelinha! O bilhete sequer é um bilhete, é um papel para eu assoar o nariz!
Vários foram os pensamentos que desnortearam o pequeno garoto. Não agüentando de curiosidade, adentrou o carro e leu o bilhete. E foi então que ele viu algo assustador e maquiavélico:
Um ponto de venda de drogas? Um bordel que daria sentido à toda conotação sexual daquele momento? Ou simplesmente uma lavanderia?
A quarta pergunta havia se transformado em várias. Assustado diante de tantas dúvidas, acelerou seu carro em direção à lagoa e lá afundou. Testemunhas logo chamaram a polícia, os bombeiros, as equipes de tv, os vendedores de pipoca e o Cirque de Soleil. Mas, misteriosamente, nenhum carro foi encontrado. O cadáver do pequeno garoto também sumiu misteriosamente.
Desde então, são inúmeras as testemunhas que afirmam ter visto o espírito do Pequeno Garoto do Lago rondando a escuridão da noite naquela região. Quando as nuvens desaparecem, ele se encarrega dos trovões e alopra morcegos incautos que se atrevem a sobrevoar o local. Algumas pessoas dizem que o espírito também foi visto na rua Dr. Rasgado. E juram que não foi por mera curiosidade: uma moradora da rua, chamada Berenice, foi internada em estado catatônico e jamais se recuperou.
A quarta pergunta se transformou, mas segue sem resposta: seria Berenice a mulher que o faria ter azar no jogo?
Jamais saberemos.
(Excetuando o trágico final do pequeno garoto e de Berenice, esta é uma história real. Foi baseada no relato do sr. Egídio - o nome é fictício, para preservar sua identidade. Ele mantém uma vida normal no interior do Rio Grande do Sul, mas jamais se recuperou do trauma.)