segunda-feira, 3 de outubro de 2011

É sério, é piada

O Brasil tá vendo uma safra de novos humoristas surgindo. Diogo Portugal, Marcela Leal, Danilo Gentili, Rafinha Bastos... é um bocado de gente que prefere contar piadas de cara limpa num palco a encarnar um personagem qualquer.

O Danilo Gentili contou uma muito bacana no Twitter há um tempo atrás: "King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?". Já o Rafinha Bastos fez um texto debochadíssimo para o seu show de stand-up, dizendo: "Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho. Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade. Homem que fez isso não merece cadeia, merece um abraço." E semana passada ele largou um comentário mais espontâneo:



"Que horror, isso não são piadas, Egídio." Sim, são piadas. "Mas são piadas pesadas e grosseiras, pois falam de assuntos delicados, não pode."

Tenho uma novidade para vocês: assuntos delicados são alvo de piadas desde que o mundo é mundo. Religião é assunto polêmico e pedofilia é um crime repugnante, mas todo mundo já riu da piada do coroinha que recebia um pastel e um refri do padre. Torturar animais é terrível, revoltoso, mas todo mundo já riu da piada do papagaio que passou a noite costurando o cu. O alcoolismo está catalogado no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde e destrói famílias todos os dias das mais diversas maneiras. E o Tom Cavalcante faz o João Canabrava desde antes de nascer. E o que dizer do Jorge Lafond, que era negro e homossexual?

A coisa tá complicada pro Rafinha Bastos. A piada com a Wanessa Camargo rendeu-lhe um afastamento do CQC, com direito a críticas dos próprios colegas de bancada. Em nota, Marco Luque disse: "Eu, como pai, entendo e apoio a revolta e a indignação do Marcus Buaiz [marido de Wanessa]. Se fizessem uma piada com este contexto sobre a minha família, certamente ficaria ofendido." Luque só esqueceu que o próprio Rafinha Bastos também é pai. A criança ainda não completou 1 ano.

Essa polêmica não foi a primeira do Rafinha Bastos. Lembra da piada sobre estupro? Ela rendeu uma investigação do Ministério Público, sob a alegação de "apologia ao estupro". Ora, quantos pontos de QI são necessários pra perceber que essa é uma cena que não é rotineira da maneira como ele fala? Quem aí já passou por uma amiga na rua e, ao perguntar "como estão as coisas?", recebeu como resposta um "nossa, minha semana tá uma merda, fui estuprada ontem, e tu?"

E tem mais:



Esse é o cara que, segundo o Ministério Público, faz apologia ao estupro. Como ele consegue ser tão contraditório, a ponto de fazer apologia ao estupro e defender pena de morte a estupradores? Será que ele deve ser punido por essa intolerância com vendedores de telemarketing? A quem tá se fazendo essas perguntas, eu tenho a resposta: desencana. O cara só tá fazendo piada.

"Ah Egídio, mas com os outros é diferente. Certo que tu vais ficar de cara se fizerem piada contigo ou com algum parente teu." Bom, talvez eu discorde.

Por comparar o King Kong com um jogador de futebol, Danilo Gentili foi taxado de racista. Mas quem é mais racista: o Danilo Gentili, por fazer essa piada, ou um sujeito que vai a um restaurante e diz "senhor gerente, exijo ser atendido por outro garçom e não por este negro"?

O que é mais preconceito: contar a piada do viadinho que foi correndo botar a bunda na goteira ao saber que ia "chover pra caralho" ou negar emprego a um jovem brilhante porque ele é homossexual? Ou quem sabe agredir um casal por ser homossexual?

O que é mais deselegante: fazer piadas de defeitos físicos ou viver em uma sociedade incapaz de tratar bem um cadeirante, onde a esmagadora maioria dos prédios públicos não possuem acesso a deficientes físicos?

Por que é tão difícil entender que respeito não se mede através de piada?

Não é porque eu faço piada com uma tragédia que eu deixo de me comover com ela. Fazer piadas com negros ou homossexuais não impede que eu ame meus amigos negros ou homossexuais. Eu posso zoar uma pessoa, da sua profissão, do seu cabelo, do seu defeito físico, mas só vou deixar de respeitá-la se ela é uma pessoa que rouba, ou que prejudica um colega de trabalho só para tirar proveito próprio, ou que pára o carro em cima da faixa de pedestres, ou...

O pior é encerrar esse texto me achando um completo imbecil por me estender tanto sobre o que parece ser gritante de tão óbvio.