quarta-feira, 24 de março de 2010

Do céu ao inferno

Os mais incautos ou os menos agraciados pela sorte de nascer em Pelotas não sabem, mas a noite pelotense sempre reserva surpresas para seus habitantes. Eu escrevo bonito demais, diz aí.

Noite úmida e nem tão fria na cidade. Um Palio de cor marrom meio areia-caganeira, carregando umas 4 moças, pára em um cruzamento. E eis que uma das moças, no banco de trás, abre o vidro e berra para o único transeunte da rua (eu):

- Tu é meu sonho erótico!

Viro-me para apreciar o rosto da gentil donzela, mas não consigo ver muito mais que o sorriso da dona da voz, uma loirinha, dentro de um carro em movimento, que logo some pela rua transversal a que eu estava. Fico realmente impressionado. Como eu escrevo bonito!

Um turbilhão de pensamentos minha cabeça. O que será que ela viu em mim? Será que meu andar está mais gracioso? Será que meu desodorante está fazendo o efeito que aparece na propaganda? Será que meu cabelo resistiu ao vento e ficou impecavelmente hipnotizante? O que será que ela bebeu e fumou?

É lógico que eu posso pensar que fui avacalhado ironicamente, porque meu caminhar não é lá muito elegante. Eu diria que se estivesse num concurso de modelos e a primeira prova fosse o desfile, eu seria desclassificado no segundo ou terceiro passo dado na passarela. Mas não, não penso que fui avacalhado. Afinal, de quando em vez meu ego também necessita de uma massagem terapêutica.

Sigo caminhando, torcendo para o tal Palio areia-caganeira passe por mim de novo, o que me daria a chance de conhecer minha pretendente e contar-lhe as novidades: lista de convidados do nosso casamento, um padre com agenda livre para abençoar-nos semana que vem, essas coisas. Mas o Palio não passa. Se sonhar não custa nada, a moça é uma tremenda pão-dura, porque só se limitou a sonhar eroticamente comigo. Mas nem isso tira meu título de "Bonitão da rua" - a despeito da total ausência de concorrentes na rua.

Uma quadra depois, o carro que passa por mim é um... um... sei lá, não lembro. 20 ou 30 metros adiante, o motorista do dito carro manobra para colocar o veículo dentro de sua garagem e pára - mas não abre o portão. Sigo caminhando, o carro segue parado em frente ao portão que segue sem ser aberto. O sujeito só abre o portão, via controle remoto, depois de eu passar por ele.

Decerto o rapaz achou que eu, no alto do meu metro e pouquinho, estava pronto pra correr portão adentro, roubar seus pertences, dar uns catas não-autorizados em sua filha, depois na esposa, limpar a geladeira e fazer sua conta de telefone ir à extratosfera com uma ligação para um telessexo de São Tomé e Príncipe. E ainda encontrar tempo para chutar o cachorro e xingar o juiz de algum jogo que provavelmente estava sendo reprisado no SporTV.

Numa quadra, uma moçoila diz que eu sou o sonho erótico dela. Na outra, um rapaz julga que eu tenho talento físico para ser um assaltante em potencial.

Fui do céu ao inferno em poucos minutos, em poucas quadras.