sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O quase ator (I)

Muitas pessoas olham atores como Murílio Benício e pensam "credo, esse cara é ruim demais, até eu faço melhor". Mas talvez ninguém fale isso com tanta propriedade quanto eu. Sou um ex-futuro ator de talento, essa que é a verdade. Se eu tivesse insistido um pouco, é provável que eu não estivesse aqui, escrevendo este texto. Estaria, neste momento, tomando remédios para a memória, que me ajudariam a decorar textos e roteiros dos personagens que eu interpretaria.

Minha meteórica carreira nas artes cênicas começou em 1995. Neste ano, minha turma do colégio havia sido convidada para gravar o comercial da Fenadoce - ideia que, como vocês podem imaginar, foi acolhida com entusiasmo pela piazada. Em frente às câmeras, devíamos representar exatamente aquilo que éramos: um bando de piás. Nossa atuação baseava-se em correr, apenas correr. No take mais difícil, tínhamos que correr em fila indiana em direção à câmera, um por um, com um doce qualquer em mãos. Ao chegar na frente da câmera, devíamos abocanhar o doce com avidez, como se o termo "diabetes" fosse completamente desconhecido pela humanidade. Tamanha dificuldade não nos intimidou: dispensamos os dublês e empunhamos nossas açucaradas guloseimas para gravar a complicada cena. A essas alturas acredito que esteja claro: o cachê dessa turminha cheia de talento era nada além dos doces utilizados nas filmagens.

A fila era composta por, sei lá, uns 15 piás. Eu era o penúltimo da tropa e estava preparado para devorar o camafeu que tinha em mãos (até hoje um dos meus doces preferidos). E assim foi feito: a piazada correu, aumentou a taxa de glicose com voracidade na frente da câmera e pronto. O meu close, garanto, faria inveja a qualquer propaganda de chocolate, pois eu fiz questão de prolongar minha presença em frente à câmera. Corri em direção a ela e só desviei quando bafejei levemente a lente que me captava. Encerrada minha participação, eu já me imaginava dando autógrafos pelas ruas da cidade.

Então o comercial foi ao ar, para a alegria da turma. Eu observava ansioso a cena da fila indiana, fazendo uma contagem regressiva do meu momento de glória. Faltam 5 piás! Agora 4! Agora 3! Foi-se embora o antepenúltimo! E com ele, encerrou-se a cena. O penúltimo (eu) e o último foram cortados da propaganda. O baque foi tão grande que até hoje surpreende que eu continue gostando de camafeu. Continuei fazendo a contagem regressiva sempre que vi a propaganda, com uma pontinha de esperança que fosse uma brincadeira de mau gosto, que corrigissem aquele erro grotesco e eu aparecesse na telinha - o que nunca aconteceu.

Alguns anos depois, tive uma nova chance nas artes cênicas. Uma professora queria fazer com a turma uma breve encenação de "Pinóquio", para apresentarmos em alguma festividade que escapa-me da memória no colégio. Ela esperava que os atores se apresentassem de forma voluntária, e ao contrário do que se pode pensar, ela foi muito bem sucedida nisso. Eu fui um dos voluntários e candidatei-me ao papel de Gepeto, o velho que constrói o boneco de madeira. Para se ter uma ideia do tamanho da "breve encenação" a que me referi, meu personagem participava de 2 ou 3 cenas e tinha 2, no máximo 3 falas. Era ideal para eu superar o baque da minha experiência no comercial da Fenadoce.

Já que eu ia interpretar um velho, tratei de besuntar o queixo com têmpera branca, para simular a barba de Gepeto. Além disso eu devia ter o cabelo grisalho, então passei pó de giz nas madeixas, àquela época curtas - truques de maquiagem de fazer inveja a qualquer perito em Photoshop. Depois de muito ensaio, estávamos prontos para apresentar a peça em frente ao colégio inteiro. E assim o fizemos: entrei na primeira cena, fiz o que tinha que fazer e me recolhi, para voltar depois.

Essa minha segunda cena consistia, basicamente, em mostrar aflição e perguntar à fada-madrinha "onde está meu amigo Pinóquio?", nestes termos. E lá fui eu, serelepe e faceiro da vida:

- Fada, fada, onde está meu amigo Gepeto?

Como o Gepeto era eu mesmo, a peça inteira parou para que eu pudesse corrigir a fala. Essa parada durou, no máximo, 1 segundo, mas para mim pareceu uma eternidade - não minto se disser que este maldito segundo está durando até hoje. Gaguejei e emendei um "ehr, meu amigo Pinóquio..." e a peça seguiu até acabar, junto com a minha, insisto, promissora carreira artística. Eu estava interpretando Gepeto, certo? Gepeto é um velho, certo? Pois então: eu apenas quis interpretá-lo com sintomas de Alzheimer.

Se alguém tivesse entendido isso, o Murilo Benício não teria a menor chance.

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