Quando abriu a porta de sua casa, no morro da Babilônia, João
Gostoso, na simplicidade de carregador de feira livre que era, sabia que
estava saindo para cumprir uma missão. Qual, ignorava. Não tinha
certeza. Tinha apenas uma intuição, vaga e esfumaçada.
Despreocupado,
fechou a porta e invadiu a noite. Preocupar-se com a porta, por quê? Se
cumprisse sua missão, as portas deixariam de existir para ele.
Só
saiu da noite para adentrar o também escurecido bar Vinte de Novembro.
Ali bebeu - uma cerveja - e a bebida lavou-lhe a timidez, o que lhe
encorajou a cantar, e sua cantoria encorajou Gabriela, que levantou de
sua cadeira e tirou João Gostoso para acompanhar-lhe em uma dança.
Braços a segurar o corpo alheio, as sensações subindo e sendo
bruscamente interrompidas pelo fim da música. Os corpos se distanciaram.
João voltou as costas para Gabriela, que murmurou, como suplicando:
- Gostoso...
Era um elogio, uma cantada. Mas João não entendeu assim. Quem elogia falando o nome do elogiado?
Mesmo assim, João sorriu. E novamente invadiu a noite.
Foi
até a lagoa Rodrigo de Freitas, onde arremessou o próprio corpo em
desabalada alegria, adotando a água como última morada e tendo como
último pensamento uma certeza: missão cumprida.
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A crônica acima - alguns devem ter percebido - foi inspirada no seguinte poema de Manuel Bandeira, intitulado "Poema retirado de uma notícia de jornal":
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no
morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
A notícia de jornal, fico lhes devendo.
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sábado, 8 de dezembro de 2012
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