sábado, 1 de dezembro de 2012

Avalanche liberada: uma derrota para o futebol moderno

A liberação da avalanche (comemoração tradicional de uma torcida organizada do Grêmio, que consiste em descer correndo a escadaria da arquibancada a cada gol do time) no novo estádio tricolor, depois de ter sido vetada pela Brigada Militar, representa uma derrota para o futebol moderno. Isso porque o esporte bretão passa por um processo vagaroso e contínuo, já há algum tempo: o processo de chatonização. O futebol estava, que audácia!, alegre demais, festivo demais. Implantou-se então o processo de chatonização, cujos frutos estão aí, visíveis a qualquer um: o futebol está mais chato a cada dia que passa.

Nunca percebeu? Pois perceba. Basta um jogador tentar um drible que seja levemente mais ousado que aparecerão os chatos para dizerem que isso é desrespeito ao adversário. Se um jogador comemorar um gol com gestos de silêncio à torcida, ele será taxado de desrespeitoso e provavelmente levará cartão amarelo, que será impiedosamente aplicado a um jogador que ousar tirar a camisa para comemorar um tento - não interessa se é para mostrar uma mensagem à família ou se é simplesmente para extravasar sem camisa mesmo. Não só é desrespeitoso como também é deselegante e, mais que deselegante, é desfavorável ao patrocinador que estampa sua marca na camisa do time e quer vê-la no momento mais importante do futebol.

A comemoração do gol, por sinal, deve ser calculada de forma prévia, fria e cuidadosa. Ronaldo e Robinho comemoraram um gol do Real Madrid imitando baratas de barriga para cima, o que gerou reclamações dos dirigentes do clube adversário. Daniel Alves e Thiago Alcântara comemoraram um gol do Barcelona dançando e receberam reprimendas públicas de Puyol, capitão do time, e de Guardiola, o treinador.

Palavrão em estádio também não pode - é o que manda o estatuto do torcedor. Atitude baixa, vil, deselegante, sem educação e tão cheia de raiva e rancor. Inaceitável.

Quanto à avalanche, é norma da FIFA: torcedor tem que ter conforto. E a existência de conforto pressupõe a inexistência do lugar onde ocorre a avalanche, que é a arquibancada. Elas precisam ser substituídas por cadeiras numeradas. Torcedor não pode cometer a loucura de ver um jogo do seu time sentando num cimento frio e duro. E foi assim que morreu a geral do Maracanã, onde seus habitantes davam vazão às suas loucuras de torcedor: fantasias de super-heróis com camisetas de seus times, correndo de um lado para outro, acompanhando seus times ao ataque e voltando desesperados para a defesa, como se fossem mais um em campo. Esses torcedores agora terão uma cadeira confortável à disposição de suas vontades de sair correndo pela arquibancada.

O mesmo se deu no Beira-Rio: acabaram com a chamada "coréia", onde alguns colorados preferiam - não - ver o jogo sem fazer questão de ter conforto. Era ir para um cantinho cimentado, com um radinho de pilha colado na orelha para acompanhar o Inter e compartilhar a idolatria pelo clube. O fim da geral do Maracanã e da coréia do Beira-Rio foi parte fundamental na chatonização do futebol.

O projeto do novo estádio gremista previa, desde o início, um setor sem cadeiras, com arquibancadas de degraus mais baixos para facilitar a corrida dos integrantes da torcida organizada que faz a avalanche. Mas isso vai contra a norma da FIFA: o estádio deve ter 100% da sua capacidade em cadeiras confortáveis. Eu não sei que brecha na legislação a Brigada Militar e o Grêmio acharam, mas eles conseguiram impor essa derrota ao processo de chatonização do futebol. A avalanche está liberada, para a tristeza dos chatos.

Mas não há de ser nada. A chatonização é uma tendência no futebol e não segui-la, se ainda não é um ultraje, será. Esse processo transformará o futebol, que ainda será um esporte onde os torcedores usam terno e gravata com as cores do seu time de coração e comemoram os gols com uma salva de palmas - três, no máximo. Muito melhor que o tênis, onde seus aficionados são uns bárbaros que rompem o silêncio com inúmeros aplausos, gritos e até assobios a cada ponto dos atletas. Um absurdo.

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