Chegamos ao final de mais um ano. É época de garantir a renovação de contrato das velhas promessas de ano-novo por mais uma temporada. É época de realizar as simpatias mais estapafúrdias.
A simpatia das romãs, por exemplo. Dizem que atrai dinheiro. Deve-se comer a romã dividida em sete partes e guardar as sementes na carteira o ano inteiro. Funciona, eu garanto. Uma vez eu fiz um polpudo saque no banco e um distinto rapaz roubou a minha carteira. Dentro, além do dinheiro, estavam as sementes da romã que eu havia comido na virada do ano. O larápio teve muita sorte com essa simpatia.
Ela também pode funcionar de outras maneiras. Se quem a fizer for pagar uma conta e não tiver dinheiro, pode entregar as sementes como pagamento. "Aí seu caixa, não tenho dinheiro, mas tenho essas sementes de romã aqui. Que sorte a tua, hein!"
Uma simpatia bastante popular é a da lentilha, que também serve pra atrair dinheiro. Há controvérsias quanto à sua eficácia. Eu mesmo, conheço um cara que apelou para essa simpatia e comeu cinco pratos de lentilha na virada do ano. Ele de fato teve, durante uma semana inteira, vida de rei: não saiu do trono do banheiro. Dinheiro de verdade, mal viu a cor - se viu, foi a cor da nota de 50 reais.
Dizem que carne de porco deve ser o prato principal na virada do ano porque dá sorte. Alegam que "como o porco fuça pra frente, garante armários cheios o ano todo". Essa é uma simpatia que eu não garanto porque não tem muito sentido. Pelo que sei, porcos não conseguem alcançar armários.
Mas é claro, nem todas as simpatias atentam contra o estômago e as dietas saudáveis. Há aquelas que, pelo contrário, incentivam a prática de exercícios físicos. Por exemplo, pular sete ondas logo após a virada. Confesso que uma vez eu tentei fazer essa simpatia, mas me faltou paciência. Demorei mais de meia hora pra pular três míseras ondinhas. Quando chegou a quarta, uns 45 minutos depois, eu já estava com sono e tinha me perdido na contagem. Acho que alguém fez oferenda de calmante pra Iemanjá naquela noite.
As simpatias mais bacanas vêm da moda: as roupas e suas cores - infelizmente essa simpatia não é aconselhável a daltônicos. Usar roupa branca, por exemplo, atrai paz. Talvez essa seja a explicação para o Prêmio Nobel da Paz de Barack Obama. Ele devia estar trajando branco no último reveillon.
Roupa íntima vermelha atrai paixão. Isso me lembra que uma vez eu passei o reveillon com um grupo de amigos e amigas. Lá pelo meio do ano, uma amiga me reclamou que eu nunca dava bola pra ela, apesar dela ser gamada em mim. Entre outros argumentos, ela disse "até usei uma calcinha vermelha naquele reveillon!". Respondi que eu não tinha como saber, pois ela estava vestindo uma calça gigantesca no reveillon, o que impossibilitou que eu visse a cor da calcinha que ela usava e, consequentemente, seu alegado interesse por mim. Portanto, eis a dica: roupa íntima vermelha para atrair paixão só funciona se a pessoa usar somente, e tão somente, a roupa íntima vermelha. Para mulheres, uma dica extra: calcinha vermelha e fio-dental. É tiro e queda.
Dizem que vestir roupa íntima amarela atrai - adivinhem - dinheiro. Quando soube disso, dei início a uma ideia: criar um banco. Batizarei-o de "Cueca Amarela Bank S/A". Já tenho até um slogan: "Invista aqui o seu dinheiro e veja seu investimento crescer por 1 ano". Ficarei rico, mas para isso tenho que usar uma cueca amarela neste reveillon.
Não é simpatia. É estratégia de marketing.
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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
O quase ator (I)
Muitas pessoas olham atores como Murílio Benício e pensam "credo, esse cara é ruim demais, até eu faço melhor". Mas talvez ninguém fale isso com tanta propriedade quanto eu. Sou um ex-futuro ator de talento, essa que é a verdade. Se eu tivesse insistido um pouco, é provável que eu não estivesse aqui, escrevendo este texto. Estaria, neste momento, tomando remédios para a memória, que me ajudariam a decorar textos e roteiros dos personagens que eu interpretaria.
Minha meteórica carreira nas artes cênicas começou em 1995. Neste ano, minha turma do colégio havia sido convidada para gravar o comercial da Fenadoce - ideia que, como vocês podem imaginar, foi acolhida com entusiasmo pela piazada. Em frente às câmeras, devíamos representar exatamente aquilo que éramos: um bando de piás. Nossa atuação baseava-se em correr, apenas correr. No take mais difícil, tínhamos que correr em fila indiana em direção à câmera, um por um, com um doce qualquer em mãos. Ao chegar na frente da câmera, devíamos abocanhar o doce com avidez, como se o termo "diabetes" fosse completamente desconhecido pela humanidade. Tamanha dificuldade não nos intimidou: dispensamos os dublês e empunhamos nossas açucaradas guloseimas para gravar a complicada cena. A essas alturas acredito que esteja claro: o cachê dessa turminha cheia de talento era nada além dos doces utilizados nas filmagens.
A fila era composta por, sei lá, uns 15 piás. Eu era o penúltimo da tropa e estava preparado para devorar o camafeu que tinha em mãos (até hoje um dos meus doces preferidos). E assim foi feito: a piazada correu, aumentou a taxa de glicose com voracidade na frente da câmera e pronto. O meu close, garanto, faria inveja a qualquer propaganda de chocolate, pois eu fiz questão de prolongar minha presença em frente à câmera. Corri em direção a ela e só desviei quando bafejei levemente a lente que me captava. Encerrada minha participação, eu já me imaginava dando autógrafos pelas ruas da cidade.
Então o comercial foi ao ar, para a alegria da turma. Eu observava ansioso a cena da fila indiana, fazendo uma contagem regressiva do meu momento de glória. Faltam 5 piás! Agora 4! Agora 3! Foi-se embora o antepenúltimo! E com ele, encerrou-se a cena. O penúltimo (eu) e o último foram cortados da propaganda. O baque foi tão grande que até hoje surpreende que eu continue gostando de camafeu. Continuei fazendo a contagem regressiva sempre que vi a propaganda, com uma pontinha de esperança que fosse uma brincadeira de mau gosto, que corrigissem aquele erro grotesco e eu aparecesse na telinha - o que nunca aconteceu.
Alguns anos depois, tive uma nova chance nas artes cênicas. Uma professora queria fazer com a turma uma breve encenação de "Pinóquio", para apresentarmos em alguma festividade que escapa-me da memória no colégio. Ela esperava que os atores se apresentassem de forma voluntária, e ao contrário do que se pode pensar, ela foi muito bem sucedida nisso. Eu fui um dos voluntários e candidatei-me ao papel de Gepeto, o velho que constrói o boneco de madeira. Para se ter uma ideia do tamanho da "breve encenação" a que me referi, meu personagem participava de 2 ou 3 cenas e tinha 2, no máximo 3 falas. Era ideal para eu superar o baque da minha experiência no comercial da Fenadoce.
Já que eu ia interpretar um velho, tratei de besuntar o queixo com têmpera branca, para simular a barba de Gepeto. Além disso eu devia ter o cabelo grisalho, então passei pó de giz nas madeixas, àquela época curtas - truques de maquiagem de fazer inveja a qualquer perito em Photoshop. Depois de muito ensaio, estávamos prontos para apresentar a peça em frente ao colégio inteiro. E assim o fizemos: entrei na primeira cena, fiz o que tinha que fazer e me recolhi, para voltar depois.
Essa minha segunda cena consistia, basicamente, em mostrar aflição e perguntar à fada-madrinha "onde está meu amigo Pinóquio?", nestes termos. E lá fui eu, serelepe e faceiro da vida:
- Fada, fada, onde está meu amigo Gepeto?
Como o Gepeto era eu mesmo, a peça inteira parou para que eu pudesse corrigir a fala. Essa parada durou, no máximo, 1 segundo, mas para mim pareceu uma eternidade - não minto se disser que este maldito segundo está durando até hoje. Gaguejei e emendei um "ehr, meu amigo Pinóquio..." e a peça seguiu até acabar, junto com a minha, insisto, promissora carreira artística. Eu estava interpretando Gepeto, certo? Gepeto é um velho, certo? Pois então: eu apenas quis interpretá-lo com sintomas de Alzheimer.
Se alguém tivesse entendido isso, o Murilo Benício não teria a menor chance.
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Minha meteórica carreira nas artes cênicas começou em 1995. Neste ano, minha turma do colégio havia sido convidada para gravar o comercial da Fenadoce - ideia que, como vocês podem imaginar, foi acolhida com entusiasmo pela piazada. Em frente às câmeras, devíamos representar exatamente aquilo que éramos: um bando de piás. Nossa atuação baseava-se em correr, apenas correr. No take mais difícil, tínhamos que correr em fila indiana em direção à câmera, um por um, com um doce qualquer em mãos. Ao chegar na frente da câmera, devíamos abocanhar o doce com avidez, como se o termo "diabetes" fosse completamente desconhecido pela humanidade. Tamanha dificuldade não nos intimidou: dispensamos os dublês e empunhamos nossas açucaradas guloseimas para gravar a complicada cena. A essas alturas acredito que esteja claro: o cachê dessa turminha cheia de talento era nada além dos doces utilizados nas filmagens.
A fila era composta por, sei lá, uns 15 piás. Eu era o penúltimo da tropa e estava preparado para devorar o camafeu que tinha em mãos (até hoje um dos meus doces preferidos). E assim foi feito: a piazada correu, aumentou a taxa de glicose com voracidade na frente da câmera e pronto. O meu close, garanto, faria inveja a qualquer propaganda de chocolate, pois eu fiz questão de prolongar minha presença em frente à câmera. Corri em direção a ela e só desviei quando bafejei levemente a lente que me captava. Encerrada minha participação, eu já me imaginava dando autógrafos pelas ruas da cidade.
Então o comercial foi ao ar, para a alegria da turma. Eu observava ansioso a cena da fila indiana, fazendo uma contagem regressiva do meu momento de glória. Faltam 5 piás! Agora 4! Agora 3! Foi-se embora o antepenúltimo! E com ele, encerrou-se a cena. O penúltimo (eu) e o último foram cortados da propaganda. O baque foi tão grande que até hoje surpreende que eu continue gostando de camafeu. Continuei fazendo a contagem regressiva sempre que vi a propaganda, com uma pontinha de esperança que fosse uma brincadeira de mau gosto, que corrigissem aquele erro grotesco e eu aparecesse na telinha - o que nunca aconteceu.
Alguns anos depois, tive uma nova chance nas artes cênicas. Uma professora queria fazer com a turma uma breve encenação de "Pinóquio", para apresentarmos em alguma festividade que escapa-me da memória no colégio. Ela esperava que os atores se apresentassem de forma voluntária, e ao contrário do que se pode pensar, ela foi muito bem sucedida nisso. Eu fui um dos voluntários e candidatei-me ao papel de Gepeto, o velho que constrói o boneco de madeira. Para se ter uma ideia do tamanho da "breve encenação" a que me referi, meu personagem participava de 2 ou 3 cenas e tinha 2, no máximo 3 falas. Era ideal para eu superar o baque da minha experiência no comercial da Fenadoce.
Já que eu ia interpretar um velho, tratei de besuntar o queixo com têmpera branca, para simular a barba de Gepeto. Além disso eu devia ter o cabelo grisalho, então passei pó de giz nas madeixas, àquela época curtas - truques de maquiagem de fazer inveja a qualquer perito em Photoshop. Depois de muito ensaio, estávamos prontos para apresentar a peça em frente ao colégio inteiro. E assim o fizemos: entrei na primeira cena, fiz o que tinha que fazer e me recolhi, para voltar depois.
Essa minha segunda cena consistia, basicamente, em mostrar aflição e perguntar à fada-madrinha "onde está meu amigo Pinóquio?", nestes termos. E lá fui eu, serelepe e faceiro da vida:
- Fada, fada, onde está meu amigo Gepeto?
Como o Gepeto era eu mesmo, a peça inteira parou para que eu pudesse corrigir a fala. Essa parada durou, no máximo, 1 segundo, mas para mim pareceu uma eternidade - não minto se disser que este maldito segundo está durando até hoje. Gaguejei e emendei um "ehr, meu amigo Pinóquio..." e a peça seguiu até acabar, junto com a minha, insisto, promissora carreira artística. Eu estava interpretando Gepeto, certo? Gepeto é um velho, certo? Pois então: eu apenas quis interpretá-lo com sintomas de Alzheimer.
Se alguém tivesse entendido isso, o Murilo Benício não teria a menor chance.
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terça-feira, 11 de dezembro de 2012
O amor nos tempos de Orkut
Aconteceu há bastante tempo, quando o Orkut ainda era relevante na
internet brasileira. Ele estava conversando com uma moça em um bar,
durante a noite, quando lembrou-se que a tal estava na comunidade
"Calaboca... i bja logo!!" no Orkut.
Correram exatos 2 centésimos de segundo após essa doce e colorida lembrança, quando ele interrompeu no meio uma frase que estava saindo de sua boca. "Eu sou realmente viciado em chimarrão, tanto que..." calou-se. E beijou.
A moça, desconcertada pela surpresa, desferiu-lhe com a mão direita um sonoro e caprichado tapa na bochecha esquerda do rapaz. Visivelmente contrariada, virou-se e saiu do local.
Ele, não. Ficou ali, com a mão esquerda a acariciar a bochecha violentada. Mas não para aliviar a dor do tapa, que, verdade seja dita, nem doeu tanto assim. O que doeu mesmo foi lembrar outras comunidades que a moça estava no Orkut: "Eu odeio gente falsa!!", "Detesto hipocrisia!!!!" e, que dor, "Minhas comunidades me descrevem!!!!!!".
Um tanto cabisbaixo, saiu do bar e deu-se conta de quão enorme era a possibilidade da moça estar também na comunidade "Cuidado!! meu bjo vicia!!!!". Aí sim, ficou totalmente cabisbaixo. Tão dolorido foi o seu martírio que, poucos dias depois, tomou uma atitude que chocou a todos.
Cometeu orkuticídio.
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Correram exatos 2 centésimos de segundo após essa doce e colorida lembrança, quando ele interrompeu no meio uma frase que estava saindo de sua boca. "Eu sou realmente viciado em chimarrão, tanto que..." calou-se. E beijou.
A moça, desconcertada pela surpresa, desferiu-lhe com a mão direita um sonoro e caprichado tapa na bochecha esquerda do rapaz. Visivelmente contrariada, virou-se e saiu do local.
Ele, não. Ficou ali, com a mão esquerda a acariciar a bochecha violentada. Mas não para aliviar a dor do tapa, que, verdade seja dita, nem doeu tanto assim. O que doeu mesmo foi lembrar outras comunidades que a moça estava no Orkut: "Eu odeio gente falsa!!", "Detesto hipocrisia!!!!" e, que dor, "Minhas comunidades me descrevem!!!!!!".
Um tanto cabisbaixo, saiu do bar e deu-se conta de quão enorme era a possibilidade da moça estar também na comunidade "Cuidado!! meu bjo vicia!!!!". Aí sim, ficou totalmente cabisbaixo. Tão dolorido foi o seu martírio que, poucos dias depois, tomou uma atitude que chocou a todos.
Cometeu orkuticídio.
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sábado, 8 de dezembro de 2012
Crônica retirada de um poema retirado de uma notícia de jornal
Quando abriu a porta de sua casa, no morro da Babilônia, João
Gostoso, na simplicidade de carregador de feira livre que era, sabia que
estava saindo para cumprir uma missão. Qual, ignorava. Não tinha
certeza. Tinha apenas uma intuição, vaga e esfumaçada.
Despreocupado, fechou a porta e invadiu a noite. Preocupar-se com a porta, por quê? Se cumprisse sua missão, as portas deixariam de existir para ele.
Só saiu da noite para adentrar o também escurecido bar Vinte de Novembro. Ali bebeu - uma cerveja - e a bebida lavou-lhe a timidez, o que lhe encorajou a cantar, e sua cantoria encorajou Gabriela, que levantou de sua cadeira e tirou João Gostoso para acompanhar-lhe em uma dança. Braços a segurar o corpo alheio, as sensações subindo e sendo bruscamente interrompidas pelo fim da música. Os corpos se distanciaram. João voltou as costas para Gabriela, que murmurou, como suplicando:
- Gostoso...
Era um elogio, uma cantada. Mas João não entendeu assim. Quem elogia falando o nome do elogiado?
Mesmo assim, João sorriu. E novamente invadiu a noite.
Foi até a lagoa Rodrigo de Freitas, onde arremessou o próprio corpo em desabalada alegria, adotando a água como última morada e tendo como último pensamento uma certeza: missão cumprida.
------
A crônica acima - alguns devem ter percebido - foi inspirada no seguinte poema de Manuel Bandeira, intitulado "Poema retirado de uma notícia de jornal":
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
A notícia de jornal, fico lhes devendo.
.
Despreocupado, fechou a porta e invadiu a noite. Preocupar-se com a porta, por quê? Se cumprisse sua missão, as portas deixariam de existir para ele.
Só saiu da noite para adentrar o também escurecido bar Vinte de Novembro. Ali bebeu - uma cerveja - e a bebida lavou-lhe a timidez, o que lhe encorajou a cantar, e sua cantoria encorajou Gabriela, que levantou de sua cadeira e tirou João Gostoso para acompanhar-lhe em uma dança. Braços a segurar o corpo alheio, as sensações subindo e sendo bruscamente interrompidas pelo fim da música. Os corpos se distanciaram. João voltou as costas para Gabriela, que murmurou, como suplicando:
- Gostoso...
Era um elogio, uma cantada. Mas João não entendeu assim. Quem elogia falando o nome do elogiado?
Mesmo assim, João sorriu. E novamente invadiu a noite.
Foi até a lagoa Rodrigo de Freitas, onde arremessou o próprio corpo em desabalada alegria, adotando a água como última morada e tendo como último pensamento uma certeza: missão cumprida.
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A crônica acima - alguns devem ter percebido - foi inspirada no seguinte poema de Manuel Bandeira, intitulado "Poema retirado de uma notícia de jornal":
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
A notícia de jornal, fico lhes devendo.
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terça-feira, 4 de dezembro de 2012
A mulher da academia
Eu não tenho sorte com mulheres. Na verdade eu não sei dizer se o fator
sorte influencia nesses casos, mas eu gosto de pensar assim. Em primeiro
lugar porque é interessantíssimo ter algo ou alguém com quem dividir a
culpa de uma incompetência própria; em segundo lugar, porque eu sou
compelido a pensar assim graças a tantos fatos da minha vida - como esse
que aconteceu num sábado não tão distante.
Eu estava chegando em um bar, como sempre faço aos sábados. E nas sextas. E em quantos dias mais me permitirem. Enfim, cheguei e logo que entrei vi uma moça que malha na mesma academia que eu, muito bonita - a moça, não a academia. Nos cumprimentamos alegremente, beijo no rosto, aquela coisa toda.
- E aí, não fosse na academia hoje! - afirmou ela, cheia de convicção. A academia funciona nos sábados pela manhã, então ela estava certíssima. É lógico que eu não tinha ido. Arrisco dizer que eu nem sequer exista num sábado de manhã, quanto mais com saúde suficiente para ir até a academia. Mas ela não merece ser criticada por isso. Cada um com suas loucuras.
- Eu era a única mulher lá! - ela emendou.
Vejam bem. Atentem para a afirmativa. Eu poderia ter me compadecido da moça, dizendo "tadinha, deve ter se sentido deslocada". Eu poderia ter rido dessa afirmação, como se ela tivesse feito alguma referência a qualquer frequentadora lésbica da academia. Eu poderia até ter interpretado essa afirmação como um convite para uma orgia sexual onde ela era o único elemento feminino, como se aquela fosse uma academia que servisse de cenário para um filme pornô de baixo orçamento, onde o único exercício praticado é a interação carnal sem pudores. "Eu era a única mulher lá, da próxima vez tu vai que aí..."
Mas não. Eu resolvi emendar uma piadinha besta:
- Bom, mas tu sabes que, se eu tivesse lá, tu continuarias sendo a única mulher né?
Admita que este foi um pensamento sagaz o suficiente pra te arrancar um... sorrisinho, que seja. Eu esperei que ela risse, mas ela não riu. Ao invés disso, ela direcionou os olhos para o nada (que naquele momento estava em algum ponto da parede) e, com uma cara de quem faz uma descoberta, entre séria e surpresa, respondeu:
- Ih, é mesmo...
"É mesmo". De todas as mulheres do bar, eu estava falando com a única que, graças a um comentário jocoso meu, percebeu que eu não sou mulher e que ela continuaria sendo a única mulher na academia se eu estivesse lá. É mesmo, ela continuaria sem ter com quem conversar sobre cólicas menstruais ou trocar dicas sobre esmaltes e bons exercícios para glúteos.
Não tenho sorte com mulheres.
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Eu estava chegando em um bar, como sempre faço aos sábados. E nas sextas. E em quantos dias mais me permitirem. Enfim, cheguei e logo que entrei vi uma moça que malha na mesma academia que eu, muito bonita - a moça, não a academia. Nos cumprimentamos alegremente, beijo no rosto, aquela coisa toda.
- E aí, não fosse na academia hoje! - afirmou ela, cheia de convicção. A academia funciona nos sábados pela manhã, então ela estava certíssima. É lógico que eu não tinha ido. Arrisco dizer que eu nem sequer exista num sábado de manhã, quanto mais com saúde suficiente para ir até a academia. Mas ela não merece ser criticada por isso. Cada um com suas loucuras.
- Eu era a única mulher lá! - ela emendou.
Vejam bem. Atentem para a afirmativa. Eu poderia ter me compadecido da moça, dizendo "tadinha, deve ter se sentido deslocada". Eu poderia ter rido dessa afirmação, como se ela tivesse feito alguma referência a qualquer frequentadora lésbica da academia. Eu poderia até ter interpretado essa afirmação como um convite para uma orgia sexual onde ela era o único elemento feminino, como se aquela fosse uma academia que servisse de cenário para um filme pornô de baixo orçamento, onde o único exercício praticado é a interação carnal sem pudores. "Eu era a única mulher lá, da próxima vez tu vai que aí..."
Mas não. Eu resolvi emendar uma piadinha besta:
- Bom, mas tu sabes que, se eu tivesse lá, tu continuarias sendo a única mulher né?
Admita que este foi um pensamento sagaz o suficiente pra te arrancar um... sorrisinho, que seja. Eu esperei que ela risse, mas ela não riu. Ao invés disso, ela direcionou os olhos para o nada (que naquele momento estava em algum ponto da parede) e, com uma cara de quem faz uma descoberta, entre séria e surpresa, respondeu:
- Ih, é mesmo...
"É mesmo". De todas as mulheres do bar, eu estava falando com a única que, graças a um comentário jocoso meu, percebeu que eu não sou mulher e que ela continuaria sendo a única mulher na academia se eu estivesse lá. É mesmo, ela continuaria sem ter com quem conversar sobre cólicas menstruais ou trocar dicas sobre esmaltes e bons exercícios para glúteos.
Não tenho sorte com mulheres.
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sábado, 1 de dezembro de 2012
Avalanche liberada: uma derrota para o futebol moderno
A liberação da avalanche (comemoração tradicional de uma torcida organizada do Grêmio, que consiste em descer correndo a escadaria da arquibancada a cada gol do time) no novo estádio tricolor, depois de ter sido vetada pela Brigada Militar, representa uma derrota para o futebol moderno. Isso porque o esporte bretão passa por um processo vagaroso e contínuo, já há algum tempo: o processo de chatonização. O futebol estava, que audácia!, alegre demais, festivo demais. Implantou-se então o processo de chatonização, cujos frutos estão aí, visíveis a qualquer um: o futebol está mais chato a cada dia que passa.
Nunca percebeu? Pois perceba. Basta um jogador tentar um drible que seja levemente mais ousado que aparecerão os chatos para dizerem que isso é desrespeito ao adversário. Se um jogador comemorar um gol com gestos de silêncio à torcida, ele será taxado de desrespeitoso e provavelmente levará cartão amarelo, que será impiedosamente aplicado a um jogador que ousar tirar a camisa para comemorar um tento - não interessa se é para mostrar uma mensagem à família ou se é simplesmente para extravasar sem camisa mesmo. Não só é desrespeitoso como também é deselegante e, mais que deselegante, é desfavorável ao patrocinador que estampa sua marca na camisa do time e quer vê-la no momento mais importante do futebol.
A comemoração do gol, por sinal, deve ser calculada de forma prévia, fria e cuidadosa. Ronaldo e Robinho comemoraram um gol do Real Madrid imitando baratas de barriga para cima, o que gerou reclamações dos dirigentes do clube adversário. Daniel Alves e Thiago Alcântara comemoraram um gol do Barcelona dançando e receberam reprimendas públicas de Puyol, capitão do time, e de Guardiola, o treinador.
Palavrão em estádio também não pode - é o que manda o estatuto do torcedor. Atitude baixa, vil, deselegante, sem educação e tão cheia de raiva e rancor. Inaceitável.
Quanto à avalanche, é norma da FIFA: torcedor tem que ter conforto. E a existência de conforto pressupõe a inexistência do lugar onde ocorre a avalanche, que é a arquibancada. Elas precisam ser substituídas por cadeiras numeradas. Torcedor não pode cometer a loucura de ver um jogo do seu time sentando num cimento frio e duro. E foi assim que morreu a geral do Maracanã, onde seus habitantes davam vazão às suas loucuras de torcedor: fantasias de super-heróis com camisetas de seus times, correndo de um lado para outro, acompanhando seus times ao ataque e voltando desesperados para a defesa, como se fossem mais um em campo. Esses torcedores agora terão uma cadeira confortável à disposição de suas vontades de sair correndo pela arquibancada.
O mesmo se deu no Beira-Rio: acabaram com a chamada "coréia", onde alguns colorados preferiam - não - ver o jogo sem fazer questão de ter conforto. Era ir para um cantinho cimentado, com um radinho de pilha colado na orelha para acompanhar o Inter e compartilhar a idolatria pelo clube. O fim da geral do Maracanã e da coréia do Beira-Rio foi parte fundamental na chatonização do futebol.
O projeto do novo estádio gremista previa, desde o início, um setor sem cadeiras, com arquibancadas de degraus mais baixos para facilitar a corrida dos integrantes da torcida organizada que faz a avalanche. Mas isso vai contra a norma da FIFA: o estádio deve ter 100% da sua capacidade em cadeiras confortáveis. Eu não sei que brecha na legislação a Brigada Militar e o Grêmio acharam, mas eles conseguiram impor essa derrota ao processo de chatonização do futebol. A avalanche está liberada, para a tristeza dos chatos.
Mas não há de ser nada. A chatonização é uma tendência no futebol e não segui-la, se ainda não é um ultraje, será. Esse processo transformará o futebol, que ainda será um esporte onde os torcedores usam terno e gravata com as cores do seu time de coração e comemoram os gols com uma salva de palmas - três, no máximo. Muito melhor que o tênis, onde seus aficionados são uns bárbaros que rompem o silêncio com inúmeros aplausos, gritos e até assobios a cada ponto dos atletas. Um absurdo.
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Nunca percebeu? Pois perceba. Basta um jogador tentar um drible que seja levemente mais ousado que aparecerão os chatos para dizerem que isso é desrespeito ao adversário. Se um jogador comemorar um gol com gestos de silêncio à torcida, ele será taxado de desrespeitoso e provavelmente levará cartão amarelo, que será impiedosamente aplicado a um jogador que ousar tirar a camisa para comemorar um tento - não interessa se é para mostrar uma mensagem à família ou se é simplesmente para extravasar sem camisa mesmo. Não só é desrespeitoso como também é deselegante e, mais que deselegante, é desfavorável ao patrocinador que estampa sua marca na camisa do time e quer vê-la no momento mais importante do futebol.
A comemoração do gol, por sinal, deve ser calculada de forma prévia, fria e cuidadosa. Ronaldo e Robinho comemoraram um gol do Real Madrid imitando baratas de barriga para cima, o que gerou reclamações dos dirigentes do clube adversário. Daniel Alves e Thiago Alcântara comemoraram um gol do Barcelona dançando e receberam reprimendas públicas de Puyol, capitão do time, e de Guardiola, o treinador.
Palavrão em estádio também não pode - é o que manda o estatuto do torcedor. Atitude baixa, vil, deselegante, sem educação e tão cheia de raiva e rancor. Inaceitável.
Quanto à avalanche, é norma da FIFA: torcedor tem que ter conforto. E a existência de conforto pressupõe a inexistência do lugar onde ocorre a avalanche, que é a arquibancada. Elas precisam ser substituídas por cadeiras numeradas. Torcedor não pode cometer a loucura de ver um jogo do seu time sentando num cimento frio e duro. E foi assim que morreu a geral do Maracanã, onde seus habitantes davam vazão às suas loucuras de torcedor: fantasias de super-heróis com camisetas de seus times, correndo de um lado para outro, acompanhando seus times ao ataque e voltando desesperados para a defesa, como se fossem mais um em campo. Esses torcedores agora terão uma cadeira confortável à disposição de suas vontades de sair correndo pela arquibancada.
O mesmo se deu no Beira-Rio: acabaram com a chamada "coréia", onde alguns colorados preferiam - não - ver o jogo sem fazer questão de ter conforto. Era ir para um cantinho cimentado, com um radinho de pilha colado na orelha para acompanhar o Inter e compartilhar a idolatria pelo clube. O fim da geral do Maracanã e da coréia do Beira-Rio foi parte fundamental na chatonização do futebol.
O projeto do novo estádio gremista previa, desde o início, um setor sem cadeiras, com arquibancadas de degraus mais baixos para facilitar a corrida dos integrantes da torcida organizada que faz a avalanche. Mas isso vai contra a norma da FIFA: o estádio deve ter 100% da sua capacidade em cadeiras confortáveis. Eu não sei que brecha na legislação a Brigada Militar e o Grêmio acharam, mas eles conseguiram impor essa derrota ao processo de chatonização do futebol. A avalanche está liberada, para a tristeza dos chatos.
Mas não há de ser nada. A chatonização é uma tendência no futebol e não segui-la, se ainda não é um ultraje, será. Esse processo transformará o futebol, que ainda será um esporte onde os torcedores usam terno e gravata com as cores do seu time de coração e comemoram os gols com uma salva de palmas - três, no máximo. Muito melhor que o tênis, onde seus aficionados são uns bárbaros que rompem o silêncio com inúmeros aplausos, gritos e até assobios a cada ponto dos atletas. Um absurdo.
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