quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O quase ator (II)

Ano passado, há não muitos dias atrás, relatei as minhas experiências nas artes cênicas. Conforme coloquei, minha carreira de galã na Globo só não deslanchou porque sequer começou, e só não começou por causa de algumas minúsculas pedras no meu caminho - pedras que eu não tive a competência de juntar para construir o meu castelo, o meu império.

Entretanto, as artes cênicas foram uma constante na minha vida. Atuar foi uma atividade presente na minha vida quando eu menos esperava. Teve essa festa de aniversário de um amigo, por exemplo. Foi uma experiência única na minha breve carreira de ator - afinal, eu interpretava a mim mesmo.

A festa estava divertida, muito embora ninguém ainda estivesse dançando feito uma minhoca convulsionando sobre brasas (é difícil de acreditar, mas festas podem ser divertidas sem esse item). A família inteira do rapaz estava lá, e quando eu digo "família inteira" eu digo "festa da democracia racial": brancos, negros, índios, japoneses, gremlins, enfim, era gente pra dedéu. E eu estava na mesa dos meus amigos, que por coincidência eram amigos do aniversariante também, veja só que coisa.

E todos na mesa rindo, contando suas anedotas, cada qual melhor que a outra, o refrigerante rolando solto - éramos realmente menores de idade à época -, tão solto que idas ao banheiro eram uma constante entre a turma. Comigo não foi diferente, e a certa altura da festa uma visita ao banheiro se tornou obrigatória.

Fui. E creiam-me, minha atuação no banheiro foi imaculadamente perfeita. O jato tomou o rumo certo, sem esbarrar nas bordas do vaso. Tarefa concluída, saí daquele cenário um tanto desconfortável para voltar ao cenário anterior: a festa. A festa cheia, devo lembrar.

O caminho entre o banheiro e o salão de festas possuía, além de um amplo corredor, dois degraus com 15 centímetros de altura - se muito. Antes mesmo de passar por estes degraus, era possível vislumbrar quem estava voltando de uma visitinha ao banheiro, e todos na festa viram que eu saía de um cenário desconfortável e voltava para o salão. A mesa onde meus amigos estavam era logo ao lado dos dois degraus, de modo que o que eu deveria fazer era galgá-los, girar o corpo em 90 graus à esquerda e sentar-me na cadeira mais próxima.

Mas não. Fácil demais.

Percebendo que meus amigos notaram que eu voltava do banheiro, resolvi fazer melhor: mostrar a todos o meu talento nas artes cênicas. E estando eu em uma festa animada, o mais indicado era representar um ato cômico. Por isso, aproveitando o clima animado, coloquei o pé esquerdo no primeiro degrau e, enquanto levantava o pé direito e o aproximava do segundo degrau, chamei a atenção dos meus amigos: "Ei! Olha! Imagina...". Isto dito, dei início à encenação: um tropeço seguido de um voo rasante em direção ao chão. E foi aí que a mágica começou a acontecer.

Com a ajuda de um contrarrega na forma de um pequenino duende invisível, a ponta do meu pé direito grudou-se ao segundo degrau como se ambos estivessem lambuzados com Super Bonder de secagem imediata. Santo nenhum prestou-se a fazer milagre naquela fração de segundo, de modo que eu dei início a uma viagem sem volta e com um destino: o chão. Mas não era uma viagem qualquer, isso não! De algum modo, outra mágica se operou: a força da gravidade ganhou cerca de 5 vezes mais potência. O que era pra ser uma queda livre tornou-se uma queda obrigatória e, a meus olhos, em câmera lenta. Mas nem a câmera lenta impediu que eu ficasse completamente sem ação. Meus braços estavam abertos em posição de Cristo crucificado porque eu queria simular um tombo, e assim ficaram. E assim caí.

Mas não "caí". Eu caí. Espatifei-me. Estatelei-me. Esborrachei-me. Estabaquei-me. Esparramei-me. Fui-me ao chão como se ali tivesse um colchão com molas ultraflexíveis que me empurrariam de volta à posição vertical. Eu caí de uma maneira tal que fez barulho, e o barulho - mágica divina - ecoou pelo salão, ca-ta-plaaaaft!, só parando de ecoar porque outro som o abafou: o das risadas. Do salão inteiro. Quem não estava olhando para o acesso ao salão virou-se para saber que barulho audível a ouvido nu da Lua era aquele e, descobrindo um corpo esparramado no chão, juntou-se ao coro de gargalhadas também audíveis a ouvido nu - mas de Plutão.

Que atuação, senhores, que atuação! Jamais na história das artes cênicas um tombo foi tão realisticamente encenado! Jamais a encenação de um tombo arrancou tantas gargalhadas de uma plateia! Charles Chaplin aplaudiria-me de pé!

O problema é que eu tive que dar continuidade à atuação. Retornei à mesa dos meus amigos (que riam mais que todo mundo no planeta) tentando disfarçar o enfarte agudo no miocárdio que eu sentia no joelho direito, devido ao contato sem delicadeza com o chão, enquanto dizia "hein, imagina! Que buléu seria!" a eles.

- Que buléu "seria"? Que buléu foi! - respondeu-me um.
- Não - refutei, magoado pela falta de reconhecimento do meu talento, enquanto colocava a perna com o joelho ainda mais magoado em uma cadeira vazia. - Sou um ator.

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