Ela. Tomava o caminho de saída do motel, já despontava na rua. Caminhando com desenvoltura e sensualidade. Sozinha. Ela, tão bela, saía solitária e a pé de um motel.
Não baixou a cabeça, não deixou o queixo arrastar no chão, não mostrou-se arrasada. Mas ia com a cabeça envolta em pensamentos. Devia parar com aquilo. Arrumava-se com tanto carinho, com um cuidado todo especial, e para quê? Para passar uma tarde acompanhada de um marido no motel. Não o marido dela - sequer tinha algum marido -, mas pegava este emprestado, e se emprestava a ele. Para quê? Para nada. Nada e uma tarde no motel tinham lá suas semelhanças. Não ganhava jantares, nem presentes, tampouco passeios de mão dada por aí. No motel não ganhava carinhos, só desejos da carne.
A raiva começava a gotejar seu pensamento. Nem carona ganhava. O cara ainda teve o trabalho de colar um adesivo escrito "Proibido carona" no vidro da frente do seu Audi A3.
Precisava parar com isso, pensava a bela loira, ao ouvir a buzina de algum carro ali perto, enquanto saía sozinha e a pé do motel. Pelo menos dessa vez deixou a conta com ele.
Vestiu-se: calcinha, minissaia, blusa vermelha. Recolocou os brincos, as pulseiras, os anéis. Retocou rapidamente a maquiagem. Subiu nas sandálias de salto alto que havia deixado próximas à porta que estava abrindo com um quê de pressa - nada que o homem deitado na cama ali perto notasse - e fechou-a, o barulho ecoando pelo corredor, pelos seus pensamentos, por dentro da bolsa onde conferiu se o dinheiro do pagamento (feito antecipadamente) pelo seu serviço ainda estava ali. E estava.
Foi tomando o rumo da rua pelo caminho dos carros mesmo. Nem se importou com o teor inusitado da situação, estava acostumada, sabia que era linda. E, com aquelas roupas, todo mundo olhava mesmo. Mas não se importava. Precisava que olhassem, quem sabe assim ganharia mais um cliente. No caminho dos carros desfilou, deslumbrante e impura, indo embora do motel. A única companhia estava na bolsa: o pagamento. Generoso pagamento, pensou, tão generoso que resolveu se dar ao luxo de encerrar o expediente daquele dia. É isso. Por hoje, chega.
Estava tão resolvida que nem deu bola para o carro que passou buzinando. Podia ser um novo cliente, mas e daí? Expediente encerrado é expediente encerrado. Seguiu determinada seu desfile. Por hoje, chega.
O caminho era para carros. Como não havia indicativos que proibissem um pedestre de andar por ali, resolveu seguir. Também, ninguém lhe indicou o caminho de saída. Simplesmente saiu caminhando por ali mesmo, já que parecia que era um caminho para a rua.
Estava confiante, tão confiante que não percebeu o inusitado da situação: uma mulher, sozinha, saindo a pé de um motel. E não era uma mulher qualquer. A blusinha vermelha, a curta saia jeans e as sandálias de salto alto exibiam uma loira, corpo esbelto, talvez 1,70m, rosto maquiado, acentuando as feições delicadas, os cabelos lisos esforçando-se para tocarem os ombros, o andar provocante de quem tenta se equilibrar na tênue linha entre a sensualidade de mulher e a inocência de menina.
Tudo tão inusitado e ela ali, tão imersa em sua confiança que não ouviu a buzina de um carro passando. Certamente algum exemplar de homo sapiens sapiens do sexo masculino, encantado por tamanha beleza. Ou algum conhecido dela, que não quis parar porque achou a cena por demais inusitada. Ela não sabia, nem tinha ouvido a buzina.
Estava absorta em sua confiança. Havia escolhido a roupa certa para causar uma boa impressão nos futuros patrões, que certamente leriam o currículo deixado ali por ela, a moça que saiu a pé e sozinha, confiante que, dali a poucos dias, seria a nova camareira daquele motel.
Eu vi uma loira espetacular, de blusinha vermelha e minissaia, saindo sozinha e a pé de um motel. Fiquei tão desconcertado com tão inusitada cena que, se não fosse a buzinada que eu levei, teria batido o carro.