segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Assombração suicida

Vou contar um segredo pra vocês: eu tenho um caso bizarro com a língua portuguesa. É uma mania viciante, praticamente um transtorno obsessivo-compulsivo, mas sem tanto glamour. Essa mania é encontrar erros em detalhes ínfimos e ter piedade de Aurélio, o dono do dicionário mais pop da língua portuguesa - quando, na verdade, o tal Aurélio não tá nem aí pro pastel e deve até estar rindo da minha cara.

Não falo daquela velha história do "mim não conjuga verbo", porque isso aí já perdeu a graça. Na verdade eu acho assombroso ver a forma que as pessoas usam o termo "assombrado", com o perdão da redundância. Por exemplo, "casa mal assombrada". Como "mal" remete a algo ruim, é uma redundância dizer "casa mal assombrada". Afinal, assombração já é, por si só, algo ruim e bem malvado. Dizer "casa mal assombrada" equivale a dizer "entrei para dentro".

Mas não é só isso. A palavra "mal" também nos dá a idéia de algo mal feito. Se "isso está mal", então "isso está errado". Logo, "casa mal assombrada", além de ser uma redundância, é uma casa louca de bunda-mole, porque é erroneamente assombrada. Se me convidassem para passar a noite em uma mansão que dizem que é mal assombrada, eu não teria medo e até ensinaria as assombrações a exercer seu ofício.

Então vocês me dizem: "Ei Egídio, pense comigo: o contrário de 'mal' é 'bem'. Então seria correto dizer 'casa bem assombrada'?"

Se pensar que "bem" é algo feito de uma forma correta, sim. "Puxa vida, aquela casa é muito bem assombrada! Não passo nem perto de lá!".

Só que eu sou louco de chato e digo que isso é um erro imperdoável. Passei muitos anos da minha vida assistindo os ThunderCats tentarem derrotar Mumm-Ra, além de torcer pelo He-Man contra o Esqueleto. Então fica lógico que "bem" é algo que não combina com assombrado. Façam-me um favor: não destruam a minha infância, seus insensíveis.

Mas ainda há outro lado nessa história: "bem" é uma palavra multi-uso e também pode significar "bastante". "Aquela casa é bem assombrada. Mas beeeeem assombrada. É tanta assombração que eu nem sei como cabe ali dentro." Portanto, é correto, é incorreto e não é nem correto e nem incorreto dizer "casa bem assombrada". É algo bem democrático, eu diria.

Eis que outro vivente se levanta e afirma: "Já sei! Eu escapo dessa dizendo 'casa mau assombrada', assim, com 'u'! Eu sou um gênio!"

Em verdade, verdade vos digo: cale-se, seu projeto de velha raposa do mar. De fato, assim como "mal", "mau" é uma palavra que lembra algo ruim. Pára e pensa: o contrário de mau não é "uam", é "bom". Isso dá a falsa impressão que "casa mau assombrada" é a forma correta de se dizer.

Mas os olhos mais atentos tentarão trocar o "mau" pelo "bom" e se depararão com o esdrúxulo termo "casa bom assombrada". Portanto, "casa mau assombrada" é uma cagada homérica da parte de quem escreve isso, e se eu fosse professor de português, rodaria direto um aluno que escrevesse isso. Sou mal. Digo, mau.

Outra coisa que me dá nos nervos é quando alguém fala "o Fulano se suicidou". Me dá uma vontade quase incontrolável de dizer que a frase está incompleta e corrigir: "Fulano se suicidou-se sozinho a si mesmo com as próprias mãos, MULA." Suicídio pode ser um ato bastante egoísta, mas a língua portuguesa não precisa sofrer com isso. Assim, o Fulano em questão COMETEU suicídio.

Outro dia eu cometi esse deslize. Falei que o Judas "se suicidou", blábláblá.

Tive vontade de se suicidar-me.
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