sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Time sem vergonha (II)

Sou gaúcho de Pelotas - assim como era meu pai. Pelotenses têm orgulho de dizer que torcem fervorosa e exclusivamente para seus clubes (Brasil, Pelotas e Farroupilha) e não para os times de fora (Grêmio e Inter). Torcer para times de outros estados, então, é a mesma coisa que dizer que é alienígena. Meu pai era uma exceção: torcia para o Fluminense, para o Inter e para o Pelotas. Talvez por sangue, também fui exceção: torcia para Corinthians, Inter e Brasil de Pelotas. A minha história como torcedor é assim: um pouco exótica.

Eu torcia fervorosamente para o Corinthians, era meu time número 1. De verdade: comemorei feito uma besta o título "mundial" de 2000. Pior: quando Javier Castrilli marcou toque de mão do zagueiro da Portuguesa na semifinal do Campeonato Paulista de 1998, briguei com meio mundo dizendo que ele estava certo. Quando o time sofreu um pequeno acidente de avião na Venezuela em 1996, eu chorei.

Não sei explicar como deixei de torcer pelo Corinthians. Deve ter acontecido gradualmente. Sei que comecei a acompanhar mais os meus times daqui: o Inter e o Brasil de Pelotas. Quando percebi, não comemorei a contratação do Tevez no final de 2004. Porque torcedor tem disso: comemora até contratação. Eu não comemorei a do Tevez, tampouco reclamei. Simplesmente foi insossa pra mim. Foi quando percebi que já não era mais corinthiano.

E, se eu já não me escabelava pelo Corinthians, já tem um ou dois anos que eu já não me escabelo por futebol em geral. Talvez seja o efeito Mazembe, não sei. Sei que essa paixão fervorosa, típica de um torcedor, passou a ser, para mim, algo bobo. Não acho execrável: só não serve para mim. Continuo colorado e xavante, mas deixei de me estressar por causa de futebol e minha calvície agradece. E o que restou de gosto por futebol em mim está indo pras cucuias com essa patacoada entre entidades jurídicas desportivas e clubes de maior ou menor expressão, essa suruba que a Portuguesa foi e, como o seu conterrâneo Manuel, passaram-lhe a mão na bunda e ele não comeu ninguém. Essa confusão sepulta o pouco que restava de credibilidade do futebol brasileiro e que a Copa do Mundo não recuperará: apenas dará aos estrangeiros a ilusão de que nosso futebol merece respeito.

Acho que é melhor eu começar a simpatizar pelo futebol do exterior. Está bem distante e eu não recebo muitas notícias diárias deles. Já ando inclusive buscando alguns clubes para gostar mais. Acho que Borussia Dortmund e Arsenal me parecem uma escolha bacana.

Já meu pai, bem, não conheço histórias dele como torcedor. Sei que ele tentou fazer com que eu torcesse pelo Pelotas (tenho fotos com uma camiseta do time - camiseta que, por sinal, deve estar guardada até hoje) e que estava em Porto Alegre no dia do bicampeonato brasileiro do Inter. Quanto ao Fluminense, eu não sei. Não sei se ele foi ao Maracanã alguma vez para ver o time em ação. Quando eu fiz isso, em 12 de outubro de 2013, o Fluminense empatou com o Grêmio em 1 a 1 e eu não lembrei do meu pai por um só instante - nem quando comemorei o gol do Rafael Sóbis aos 45 minutos do segundo tempo. Estava mais preocupado em curtir o encantamento de estar no Maracanã e xingar o Kléber Gladiador. Mas sei que meu pai era torcedor do Fluminense, talvez tanto quanto eu era torcedor do Corinthians.

Meu pai morreu há 20 anos e, hoje, eu tenho mais vergonha de dizer que ele era torcedor do Fluminense do que dizer que eu torcia feito uma mula pelo Corinthians e que hoje talvez eu torça para Borussia Dortmund e Arsenal.

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