E a bem da verdade foi uma tristeza saber que os tradicionais trailers de Pelotas deveriam, por ordem do Ministério Público, deixar de existirem. É lógico que tem toda uma análise a ser feita: trailers ocupam espaços públicos, há necessidade de requalificação do espaço urbano (sic). Além disso, outros estabelecimentos alimentícios, por ocuparem casas propriamente ditas, pagam impostos que os trailers, por serem trailers, não pagam. Sim, tem um monte de coisa...
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Mesmo assim, é uma tristeza. Porque os trailers são (ops, eram, preciso me acostumar) uma tradição nessa cidade - tradição infinitamente mais saudável e higiênica que os cães de rua, por exemplo. Era comum que as pessoas aproveitassem o fim do dia e o início da noite para encherem o bucho com um Bauru Super do Sanata (com calabresa, lombinho, galinha, coração, bife, vinho e outros ingredientes - e, se não fosse suficiente, adicional de bacon) ou um Bauru Turbo do Circulus (com alcatra e calabresa picada, entre outros ingredientes). Evidente que quem sofria com isso eram os estudantes dos prédios próximos. É provável que o odor impregnado na Praça do Direito seja capaz de advogar melhor que muito aluno formado naquele prédio.
À primeira vista, a decisão do Ministério Público me pareceu bastante intransigente. É bem verdade que os trailers ocupam um espaço público, mas acredito que deveria haver uma flexibilidade maior nesse caso. Poderiam, por exemplo, criar uma série de normas de higiene e organização para eles (os que não seguissem essas normas seriam impedidos de prosseguirem suas atividades), bem como uma taxa - sei lá, algo como "Taxa para quem faz lanches melhores que o McDonald's". Se bem que, com esse nome, se eu fizesse um sanduíche aqui em casa acabaria tendo que pagar esse imposto.
Depois, pensando um pouco mais sobre o assunto, é evidente que fiz questão de enxergar chifre em cabeça de porco. Digo, os trailers de Pelotas já tinham sofrido um ataque da Vigilância Sanitária, que proibiu a maionese caseira - parte indispensável da cultura trailer-gastronômica - alegando "risco de contaminação". Ora, se risco de contaminação realmente fosse uma preocupação, teriam proibido o Bloco Beijo Maldito e o Canal do Pepino estaria aterrado há décadas.
E, como o golpe da maionese não foi suficiente, o Ministério Público resolveu aparecer com um veto completo: trailer estacionado eternamente não pode mais. Tudo isso - o golpe da maionese e a intervenção do MP - aconteceu, coincidência ou não, depois que uma rede de fast food com nome que lembra transporte subterrâneo apareceu exatamente entre o Sanata e o Circulus (os mais tradicionais trailers de Pelotas), ou seja, bem no meio de uma grande população de estudantes universitários.
Lobby ou não, divago. Assim como no caso dos trailers, o Ministério Público também interveio no caso do banheiro público instalado nas areias do Laranjal, ordenando a retirada da obra cocônica na praia. Em ambos os casos a prefeitura acatou as ordens do MP. Falta só cumprir a ordem de fazer uma licitação para o transporte público na cidade. Fiquei sabendo que até iam cumprir, mas aí chegou um ônibus da Conquistadora guiado por um candidato reprovado à Fórmula Truck e atropelou a ordem do Ministério Público.
Dos males, o menor: proibiram os trailers, mas os mais tradicionais (como Circulus, Sanata e Lílian) agora ocupam casas ou terrenos próximos de onde ficavam seus trailers - com maionese e tudo. Fica a tradição do lanche, vai-se o charme do trailer.
Se me dão licença, antes que a Vigilância Sanitária e o Ministério Público interceda diretamente nos meus beiços - além de querer matar os pelotenses de fome -, vou limpar a baba que se acumulou aqui enquanto escrevi esse texto.
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