Apesar de ser tão novo - não passa dos nove anos -, a vida de Joãozinho é mundialmente conhecida. Sua biografia escolar e pessoal é largamente relatada em piadas, que alavancaram outras personalidades infantis como Juquinha.
Joãozinho é terrível. Seus pais não o largaram na sarjeta mais próxima por temerem represálias não apenas do Conselho Tutelar, mas também do próprio Joãozinho. Não sei vocês, mas eu nem quero imaginar do que esse piá seria capaz se fosse movido pelo desejo de vingança. Resta saber se ele vai se vingar do revés que acaba de sofrer de seus pais.
Sim. Joãozinho acaba de sofrer um revés. Tudo começou naquela bela tarde de sol, quando ele estava entendiado, sem grande imaginação, quando resolveu fazer o que mais sabe: tirar as pessoas da sua tranquilidade. Dirigiu-se até a sala, onde seus pais assistiam SuperNanny, em busca de uma luz salvadora, e fez um pedido aos pais:
- Pai, mãe, quero uma mochila nova.
- Uma mochila nova, Joãozinho?
- Sim.
Um pedido simples, aparentemente inocente. Porém, de um instante para o outro, transformou-se em um desejo no mínimo insólito.
- Que mochila, filho?
- Ah, uma bem diferente. Quero que seja do Harry Potter, porque eu gostei muito de ler o livro.
- E quando tu leste o livro?
- Nunca. Mas isso não interessa. Como eu dizia, quero que seja do Harry Potter. E tem que ser do Sonic, também. É meu game preferido. E tem que fazer referência ao Pelé ou ao Maradona. Algo que tenha, assim, o número 10. E, como eu sou um menino muito politizado, quero que tenha algo do Obama. Quero prestar minha solidariedade ao negão.
- Que vocabulário rebuscado. Onde tu aprendeste isso?
- Lendo Harry Potter.
- Mas tu não leste...
- Não interessa. E aí, quando vou ter minha mochila nova?
- Mas onde diabos eu vou achar uma mochila dessas, guri? - protestou o pai.
- Como é que eu vou saber? - retrucou Joãozinho. - Isso é tarefa de pai. Pais é que fazem tudo e que são heróis.
- Mas...
- Nah! Enquanto eu não tiver minha mochila, nunca mais volto pro colégio. Ou melhor, volto. Mas aí eu dou um jeito de contar pra professora o que vocês fazem no quarto, e como é a vista do papai abaixando no banheiro pra catar o sabonete. - Dito isto, Joãozinho recolheu-se aos seus aposentos. Sua tarefa - incomodar - já estava devidamente cumprida.
Os pais estavam aterrorizados com a chantagem. Foram para o quarto, mas não dormiram. Ficaram pensando em tudo. Na privacidade que perderiam. Em Joãozinho, que estava cada vez mais impossível.
- Querido, não sei mais o que fazer com essa criança.
- Pois é.
- Acho que vou chamar a SuperNanny. Viu que hoje ela...
- Não. Não quero passar vergonha em rede nacional.
- Mas onde vamos arranjar uma mochila daquelas?
- Deixa. Eu dou um jeito.
- Como? Que jeito?
- Deixa comigo. Eu dou um jeito.
Na manhã seguinte, Joãozinho ficou recolhido em seu quarto, onde almoçou em frente ao computador, jogando Sonic pela primeira vez na vida. Seu turno no colégio era à tarde, e pouco antes do horário de aula, ouviu seu pai berrar seu nome. Solícito como ele só, desceu as escadas, cantando vitória, sabendo que não iria para a escola, exibindo seu sorriso radiante, quando...
... estaqueou ao fim dos degraus. Aos poucos, ficou boquiaberto e nem parecia que, instantes antes, havia um sorriso irreverente e sádico por ali. Os olhos não piscavam. Pelo contrário: abriam-se cada vez mais, e estava fixos em um ponto. Por um instante, o guri aparentou ser atingido pela bola de gelo do Sub-Zero. A boca, agora completamente aberta, não conseguiu pronunciar nada inteligente.
- Mas... mas...
- Vamos. Tás atrasado pro colégio.
- Mas... mas...
- Vamos. Já arrumei teu material.
- Mas...
- Não enrola, guri. Ou te dou uma tunda.
E foram. Pela primeira vez na vida paterna, o pai se sentia triunfante. Joãozinho passou os dois anos seguintes explicando para os coleguinhas - para Juquinha, inclusive - o porquê daquela mochila. O pai só permitiu a troca quando a imagem do Sonic e o "Obama" estavam irreconhecíveis pelo desgaste.
A SuperNanny havia sido poupada.